A política brasileira está aprisionada em uma lógica binária simplista que reduz tudo ao confronto entre “bem” e “mal”. Essa dicotomia serve menos à busca por soluções e mais à manutenção de um ciclo interminável de polarização, onde o argumento racional é substituído por ataques emocionais e maniqueístas.
Nietzsche, ao desmontar os alicerces dessa moral tradicional, oferece uma lente crítica para compreender que esses conceitos não são universais, mas construções históricas moldadas por interesses de poder. Na realidade política brasileira, essa construção moralizada se tornou ferramenta para segmentar a sociedade em inimigos irreconciliáveis, criando uma guerra cultural que paralisa qualquer possibilidade de diálogo efetivo e progresso.
Ao invés de pensar em política como uma disputa moral, precisamos enxergar as dinâmicas subjacentes da vontade de poder, – termo nietzschiano, que revela como as lideranças políticas manipulam não valores absolutos, mas emoções e identidades, para garantir a manutenção e ampliação de sua influência. Essa manipulação é estratégica, calcada na exploração do ressentimento, da vitimização e da dependência emocional da população, que acaba delegando seu protagonismo a figuras que prometem redenção fácil ou soluções simplistas.
Nietzsche descreveu a moralidade dos “senhores” e dos “escravos” como dois polos que coexistem e se confrontam. No Brasil, essa dualidade se manifesta nos discursos políticos que ora exaltam a força e a autonomia individual, ora celebram a narrativa do oprimido que só encontra salvação por meio da tutela estatal ou de líderes carismáticos. Essa tensão alimenta um ciclo vicioso, onde o ressentimento bloqueia o desenvolvimento de uma cultura política madura, pautada na responsabilidade e na autonomia do cidadão.
Exemplos recentes reforçam essa dinâmica. A polarização das eleições, marcada por ataques mútuos que evitam debates sobre políticas públicas concretas, reflete o antagonismo nietzschiano. Além disso, a perpetuação de programas assistencialistas que, apesar de necessárias correções, permanecem amplamente focados na distribuição imediatista, exemplifica a moral dos escravos — que se apega à dependência e ao ressentimento, ao invés de incentivar a autonomia e o protagonismo.
Nietzsche apontava que a moral dos escravos “nega a vida” ao valorizar a fraqueza como virtude e demonizar a força. Essa lógica se traduz em discursos que deslegitimam qualquer expressão de força individual ou iniciativa pessoal sob a pecha de exclusão ou privilégio, dificultando a emergência de uma cultura política madura que exija e reconheça a responsabilidade do cidadão.
O desafio de superar a dicotomia moral
Essa dicotomia cria um ambiente em que a política se torna espetáculo, ritual de vitimização e exaltação emocional, ao invés de arena para discussão racional e construção coletiva. A consequência é um ciclo repetitivo de eleições que promovem figuras carismáticas e discursos inflamados, mas que pouco avançam na transformação estrutural do país e o pensamento de Nietzsche nos ajuda a compreender que esse conflito moral não é superficial, mas um embate profundo entre formas opostas de existência e organização social.
Portanto, o desafio está em pensar para além do maniqueísmo convencional e entender que a complexidade do poder exige mais que antagonismos binários — exige uma postura que acolha o potencial criativo da autonomia sem ignorar os desafios sociais que moldam o contexto brasileiro.
Nietzsche alerta que essa moralidade “de rebanho” cria sujeitos presos a dogmas e ressentimentos, afastados da autonomia intelectual e da verdadeira reflexão. No contexto nacional, vemos isso refletido em discursos que condenam qualquer iniciativa que fuja da narrativa dominante como elitista, enquanto naturalizam a dependência e a resignação, promovidas por um sistema que evita a transformação estrutural e a responsabilização individual.
Deste modo, o filósofo nos convida a questionar as bases morais que sustentam nossas práticas políticas, para que possamos enxergar o poder em sua essência: um jogo complexo de forças e estratégias, não uma simples luta entre virtudes e vícios. Só assim o debate político brasileiro pode se emancipar da infantilização moral e passar a construir, de fato, alternativas maduras e eficazes.