É evidente que estamos diante de uma crise de identidade nos tempos atuais, e no Nordeste a situação é bastante específica quando tratamos da dependência estatal.
Ainda que pesquisas evidenciem a baixa popularidade dos governantes nordestinos — o que denota clara insatisfação com relação à gestão dos mesmos —, nos perguntamos:
“Por que, mesmo insatisfeita, uma população elege sempre o mesmo candidato?” e a resposta pode ser um pouco mais profunda.
Não se explica somente pela compra de votos, trata-se de uma engenharia cultural e institucional muito bem arquitetada através de falsas narrativas e promessas, para um povo que sempre cedeu aos vagarosos discursos apelativos mas nunca colheu nada em troca ao final.
O político nordestino “bem-sucedido” não é o que entrega — é o que aparece, abraça, dança, grava vídeos e participa das festas locais, pois a linguagem do poder é afetiva e nesse contexto, a ausência de entregas concretas é compensada pela encenação de proximidade, como se o politico fosse “gente como a gente”.
O eleitorado, sem acesso a uma formação que estimule o pensamento autônomo, age por lealdade ou resignação.
A sensação de impotência diante do Estado leva o indivíduo a negociar não por mudança, mas por manutenção e eis a armadilha: o poder se perpetua oferecendo pouco, porque já não se espera muito e nesse vácuo de criticidade, entram os influenciadores locais.
Muitos deles, entendem que; promover reflexão ou consciência social, reforça a emancipação e autonomia, dificultando a doutrinação cultural do imediatismo e da alienação.
Promovem jogos de azar entre seguidores de baixa renda, sabendo que a perda é estatisticamente garantida, vendendo esperança empacotada em probabilidades falsas, ajudam a consumir o pouco que resta — dinheiro, autoestima, discernimento.
A camada social mais vulnerável já não confia em instituições, não projeta futuro e, agora, tem sua percepção da realidade moldada por algoritmos e slogans. Diante deste cenário, a crise de sentido se intensifica e enquanto isso, a elite local assiste e lucra.
A reconstrução do sujeito como único caminho possível para romper com a ilusão
A consequência desse modelo não é apenas a baixa qualidade eleitoral – é moral, cultural e civilizacional. Ao reforçar a dependência emocional e o pensamento lúdico, políticos e influenciadores constroem um ambiente onde a ignorância deixa de ser um problema e passa a ser uma identidade.
Não se exige mais racionalidade, responsabilidade ou projeto exige-se carisma, entretenimento e algum tipo de promessa emocionalmente e sedutora.
É uma anestesia generalizada, uma cultura que evita o esforço, repele a crítica e transforma qualquer tentativa de ruptura em “elitismo” ou “arrogância”.
Assim, o atraso não é apenas mantido, é celebrado e quem lucra com isso sabe exatamente o que está fazendo.
Portanto, não haverá transformação real enquanto o brasileiro continuar delegando o sentido da sua vida a terceiros, pois, política não é terapia.
O país precisa romper com a cultura da tutela emocional – enquanto o cidadão buscar afeto em líderes e esperança em influenciadores, continuará vulnerável à manipulação.
Romper com a política performática, com o culto ao afeto institucional, com a terceirização da consciência que se traveste de identidade popular.
Nenhuma reforma externa terá valor se o indivíduo permanecer indiferente à sua própria autonomia.
É preciso formar sujeitos que pensem antes de seguir, que questionem antes de aceitar, que desejem mais do que alívio imediato.
No Nordeste, essa engrenagem se mantém pela repetição ritualizada da carência, da gratidão e da estética da sobrevivência.
Onde a manipulação é mais antiga, a lucidez precisa ser mais radical. A reconstrução do sujeito não é um luxo intelectual — é uma urgência civilizatória.