Fazem anos que nós, amantes da boa música contemporânea, estamos à espera de um álbum decente do rapper Kanye West. Um artista que outrora revolucionava a indústria musical, da moda e do ego artístico em geral; hoje parece « s’appuyer sur ses acquis » e vem produzindo um trabalho um tanto quanto preguiçoso, e, como se não bastasse, vem há tempos flertando com o intolerável, polemizando com assuntos que fariam o fã mais laranja de Ye pensar duas vezes antes de escutar seus álbuns.
No meio desses fãs, existem os que, ainda assim, aguardam ansiosos por um trabalho de redenção. Um projeto inquestionável que, por sua qualidade, nos permita esquecer (perdão pelo eufemismo) de seus deslizes. O leitor pode me acusar do crime de ser nostálgico, dizer que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar e que o que aconteceu no lançamento de My Beautiful Dark Twisted Fantasy foi resultado de alinhamento planetário e convergência espiritual – no que eu retruco ao leitor: a arte perde muito com a destruição do maior artista vivo, e, se for necessário um segundo milagre, o cosmos já deveria estar providenciando.
Disclaimer feito, podemos afirmar que Ye não se ajuda em nada. O artista havia anunciado para meados de junho o álbum Bully, e, ironicamente (ou nem tanto), parece que Kanye anda praticando bullying com a sua fanbase. Primeiramente, o álbum foi atrasado, e o que era um álbum com uma simbologia familiar, já que era para ser lançado dia 15 de junho, data de aniversário da sua filha North West, perde parte da sua aura e sinaliza para seus fãs que esse álbum talvez não seja tão importante para Ye quanto ele quis fazer parecer. Não sendo o bastante, o atraso, que já incomodava, foi ainda maior para assinantes de outros serviços de streaming que não o Spotify. O autor, por exemplo, assinante da Apple Music, só conseguiu escutar o álbum dia 23 de junho, data em que foi disponibilizado na plataforma. O atraso é sempre muito frustrante, mas não mais do que estaria prestes a acontecer quando escutaria pela primeira e única vez o « álbum ».
Os entusiastas foram infelizes em dar play no álbum e perceber que Bully só contava com três faixas nos serviços de streaming: Preacherman, Beauty and the Beast e a novíssima DAMN. As duas primeiras já tinham sido vazadas pelo próprio artista por meio de um link na rede social X, antigo Twitter, e DAMN seria uma música inédita para surpreender os fãs. O álbum, que contaria com uma dezena de canções, finalmente foi disponibilizado com apenas 10% das músicas vazadas pelo próprio artista. Por meio de suas redes sociais, Ye prometeu postar 5 tracks por dia para completar o projeto, mas até agora nada. Yeezus parece preguiçoso, sem vontade de fazer história e dá cada vez mais indícios de decadência.
O projeto que era para Pablo se reconciliar com os fãs acabou dando mais um motivo para divórcio. Além de incompleto, as faixas do disco estão todas com uma mixagem porca, das mais amadoras. Tanto que as mesmas mixadas em canais de entusiastas se mostraram de muito mais qualidade. Um verdadeiro tiro no pé.
Apesar do desastre, alguns fãs ainda têm esperança de que um dia ele acorde desse transe; eles clamam pelo retorno do « Old Kanye », o artista no seu auge de criação e de alma, coisa que, a essa altura do campeonato, parece impossível.
Um debate pode ser feito sobre o quanto Ye tem sequestrado a moral de seus admiradores. Decepção após decepção, os entusiastas se sentem traídos, mas a esperança de reencontrar o gênio de The College Dropout os faz insistir nessa relação abusiva. Ye havia prometido Bully, e, no momento em que escrevo, lança um álbum em colaboração com o filho de Puff Daddy, acusado de tráfico humano para uma rede de exploração sexual. Um verdadeiro tapa na cara de quem esperava uma postura diferente do artista.
Para o bem e para o mal, o artista é alheio aos clamores dos entusiastas. O que sempre foi visto como uma força, hoje é visto como uma armadilha que pode acabar destruindo o seu jardim artístico.
