Na encruzilhada entre o fim de uma era e a promessa de um novo ciclo político, o nome de João Campos (PSB), atual prefeito do Recife, emerge como a principal aposta para liderar a reinvenção da esquerda brasileira. Jovem, midiático, herdeiro de uma das mais longevas linhagens políticas de Pernambuco, João protagoniza um discurso de superação da polarização entre Lula e Bolsonaro — mas seu projeto está longe de ser consenso entre os que esperam uma verdadeira transformação progressista.
No programa Reconversa, com Reinaldo Azevedo e Walfrido Warde, João Campos defendeu que a esquerda precisa romper com suas fórmulas tradicionais e encontrar um caminho de diálogo com o centro e com uma sociedade “não polarizada”. O tom é conciliador, técnico, e deliberadamente moderado. A narrativa é atraente: uma nova esquerda para um novo Brasil. Mas quem acompanha a história política pernambucana sabe que o enredo, na essência, parece familiar demais.
Filho de Eduardo Campos e bisneto de Miguel Arraes, João é a síntese de uma política que, embora travestida de modernidade, repousa sobre os alicerces das oligarquias regionais. Sua ascensão meteórica — marcada pelo uso eficaz das redes sociais, por discursos de unidade e por uma gestão voltada a resultados — guarda muito mais semelhanças com um modelo tecnocrático-neoliberal do que com uma proposta popular e transformadora.
Embora se apresente como “renovação”, João tem replicado o modus operandi dos velhos caciques: forte dependência de recursos externos (como financiamentos do BID), uso de Parcerias Público-Privadas (PPPs) como solução mágica para a infraestrutura urbana, distanciamento de movimentos sociais organizados e ausência de uma agenda clara de combate às desigualdades estruturais. O seu PSB, apesar de nominalmente de centro-esquerda, tem se mantido confortável em alianças que diluem qualquer traço de radicalidade social.

A chamada “morte da esquerda” a que o vídeo faz referência não é apenas simbólica. Ela também pode ser lida como o esvaziamento de projetos políticos efetivamente voltados à redistribuição de renda, à mobilização popular e à ruptura com lógicas privatistas. O risco de João Campos ser a “nova cara” de uma esquerda pós-moderna que abdica de seus fundamentos históricos — luta de classes, participação popular, soberania nacional — é real. Em outras palavras: troca-se o conteúdo pelo marketing, o projeto político pelo carisma, a transformação pela manutenção.
Ainda assim, é inegável que João simboliza algo novo — pelo menos em termos geracionais e estéticos. A questão que se impõe é: essa novidade será suficiente para romper com os vícios históricos da esquerda institucional brasileira? Ou apenas nos levará, com filtros de Instagram e slogans edificantes, à continuidade oligárquica travestida de esperança?
O Brasil, ao que tudo indica, ainda não decidiu se deseja uma esquerda que renasce das bases ou uma esquerda que apenas troca os rostos no topo da mesma pirâmide.