Na década de 1940, o mundo saía devastado da Segunda Guerra Mundial e entrava numa nova configuração de poder. As grandes potências redesenhavam suas alianças e zonas de influência, enquanto o petróleo emergia como o insumo estratégico central da nova ordem global. Era combustível, era energia, era moeda de barganha. Quem detinha petróleo, controlava agendas militares e econômicas.
O Brasil, ainda periférico, assistia à consolidação das grandes companhias internacionais — as chamadas “Sete Irmãs” — que dividiam o mapa do petróleo com mão de ferro. Nesse cenário, Getúlio Vargas enxergou uma janela de oportunidade para criar um ativo político interno e um símbolo de soberania nacional: a campanha “O Petróleo é Nosso”.
Longe de ser apenas uma política de desenvolvimento, o movimento foi construído como um teatro ideológico. Vargas habilmente alinhou estudantes, militares e sindicatos numa cruzada emocional, onde o discurso nacionalista foi usado como ferramenta de mobilização em massa. O petróleo foi elevado a símbolo patriótico, o que permitiu a Vargas criar uma narrativa de que entregar a exploração aos estrangeiros seria uma traição à pátria.
Mas o que parecia uma estratégia de proteção acabou gerando distorções estruturais. O fechamento do mercado, combinado com a criação da Petrobras em 1953 como monopólio estatal, plantou as bases para décadas de ineficiência. O modelo excluiu a competição, inchou a máquina pública, e promoveu um corporativismo que alimentaria o sindicalismo estatal e a ingerência política sobre a empresa.
Essa postura protecionista não apenas queimou a eficiência produtiva do setor energético, como também criou um ambiente propício para escândalos de corrupção sistemáticos, que abalaram a credibilidade da empresa e drenaram recursos públicos. Além disso, a Petrobras se tornou um epicentro do paternalismo estatal, reforçando uma cultura de dependência e ineficiência que se espalhou pelo setor e pela política brasileira em geral.
Décadas de nacionalismo energético
Em 1957, nasce o primeiro sindicato de petroleiros, o Stiep, na Bahia. Três anos depois, já realizavam sua primeira greve, exigindo equiparação salarial entre a Refinaria Landulpho Alves e a Refinaria Presidente Bernardes, em São Paulo.
A paralisação durou 15 dias e inaugurou um ciclo de pressão sindical sobre o Estado, típico de um mercado fechado e sem competição, onde os custos das concessões caem no colo do contribuinte e a eficiência nunca foi prioridade.
Nos anos 1970, o choque do petróleo expôs o custo da autossuficiência forçada. O Brasil, ainda preso ao monopólio estatal, teve que criar o Proálcool para fugir da dependência externa, uma gambiarra estratégica que virou bandeira, mas mascarava o atraso tecnológico do setor.
Na década de 1990, o cenário começou a rachar. O governo FHC abriu o mercado com a quebra do monopólio, finalmente permitindo a entrada de capital estrangeiro e empresas privadas. A mudança trouxe investimentos, tecnologia e alguma eficiência, mas a Petrobras manteve seu peso político e sindical, sustentando velhos vícios.
O início dos anos 2000, com o boom das commodities, jogou a Petrobras no centro do projeto de poder do PT. O pré-sal virou discurso de soberania e motor de populismo, enquanto o Petrolão corroía as entranhas da empresa. A estatal foi loteada, capturada e usada como caixa para projetos políticos e alianças espúrias.
A Operação Lava Jato, deflagrada em 2014, quebrou o mito da empresa “intocável”. O Brasil foi forçado a encarar a conta da corrupção sistêmica: bilhões desviados, credibilidade internacional no chão e uma Petrobras afogada em dívidas.
Um legado de controle político sobre o petróleo
Nos últimos anos, a estatal tenta se reinventar com foco em governança, desinvestimentos e uma atuação mais alinhada ao mercado. Mas o fantasma da interferência estatal persiste. O governo Lula 3 ensaia reaproximação com o modelo intervencionista, fala em controle de preços e prioriza interesses políticos sobre a lógica de mercado — um ciclo que ameaça se repetir.
Os defensores da Petrobras estatal sustentam três argumentos clássicos: que o monopólio preservou a soberania nacional, que a empresa foi indispensável para o avanço tecnológico — especialmente no pré-sal — e que o fechamento de mercado nos protegeu da exploração estrangeira.
Esse raciocínio, porém, não se sustenta sob uma análise crítica de performance e estratégia. Soberania não se consolida com ineficiência: ao blindar o setor, o Brasil ficou dependente de uma máquina estatal lenta, onerosa e vulnerável à captura política. O suposto ganho tecnológico, embora relevante, poderia ter sido alcançado com muito mais velocidade e escala via abertura regulada, atração de players globais e parcerias competitivas — como fizeram países que hoje lideram o setor.
Já o discurso da proteção contra o capital internacional é um anacronismo: atualmente, a própria Petrobras opera integrada ao mercado global, depende de captação externa e compartilha ativos com multinacionais. O isolamento da época não fortaleceu o Brasil — apenas retardou nosso progresso.
Desta forma, quando Vargas declarou “O petróleo é nosso”, cravou um modelo que moldou o Brasil por gerações. O discurso nacionalista fechou o mercado, expulsou investimentos estrangeiros e criou uma cultura de Estado empresário que priorizou controle político, não eficiência.
Essa escolha custou caro. O país perdeu tempo, tecnologia e competitividade. Nos anos seguintes, sindicatos ganharam força, o protecionismo travou o setor e o contribuinte pagou a conta das ineficiências.