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De Brasília à commedia dell’arte renascentista, onde está a classe média brasileira?

Entre palhaços, gurus e saudades de 2013, a classe média brasileira ganha papel principal no teatro farsesco de Brasília. Inspirado na commedia dell’arte renascentista, esta coluna traça paralelos satíricos entre personagens italianos e figuras da nossa política recente — de Valdemar a Bolsonaro, de Olavo a Marçal. Resta saber: será que a Colombina verde-amarela ainda sabe a quem amar?

atualizado há

23 horas atrás
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A imagem retrata a Commedia dell'arte, uma forma de teatro popular que surgiu na Itália em meados do século XV

Commedia dell’arte

Caro leitor, introduzo esta coluna com um aspecto cômico da realidade em que vivemos em nosso tropicalíssimo país verde-amarelo. Nação esta que compartilha pitorescos paralelos narrativos com um dos momentos de maior efervescência cultural da Europa: o Renascimento italiano, mais especificamente, a commedia dell’arte.

Contudo, antes de nos aprofundarmos nessas similaridades, é importante entendermos um pouco mais a respeito desse movimento artístico tão importante para a história do teatro e de como essa vanguarda consegue ser, ao mesmo tempo, medieval e contemporânea.

Origem

A gênese da commedia dell’arte é marcada pela satirização do poder, da sociedade e dos costumes vigentes na Itália renascentista, por meio do uso de máscaras, roupas extravagantes e encenações críticas.

Características e personagens

A base estrutural desse movimento dividia-se entre algumas classes de personagens, mas apenas duas delas nos interessam: os Vecchi e os Zanni, que são, respectivamente, patrões e servos. Dentre os Vecchi, destacam-se os importantíssimos Pantalone e o Dottore e, entre os Zanni, temos figuras emblemáticas como Brighella, Colombina, Pierrot e Harlequin.

Prezado leitor, você pode estar pensando que é perda de tempo ler sobre um evento teatral arcaico, mas lhe prometo que a ótica com que você enxerga a política tupiniquim será renovada com os ares renascentistas milaneses e florentinos.

Vecchi

Portanto, comecemos a análise pelos ilustres Vecchi. O Pantalone é um idoso muito rico, cínico e avarento, que pensa exclusivamente na manutenção do poder e em sua influência sobre os demais personagens.

O Dottore, por outro lado, é majoritariamente representado como uma pessoa demasiadamente pedante e arrogante, que se expressa com palavras difíceis em seu pseudointelectualismo redundante, voltado às massas e aos seus funcionários.

Bom, acredito que começamos a enxergar o paralelismo entre a Toscana e o tosquíssimo ecossistema brasiliense, cujas personalidades são a representação dos ícones italianos com uma pitada de samba e um bom paternalismo para chamar de seu.

Pantalone

A primeira analogia é entre o Pantalone e o chefe do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto.

O mensaleiro mais venerado pelos brasileiros reflete bastante a persona que o Pantalone apresenta em seus shows: desonestidade, clientelismo e inescrupulosidade. De fato, só precisaria trocar o terno pelo macacão vermelho do personagem e tirar a máscara de conservadorismo para iniciar o espetáculo.

Dottore

Entretanto, não só de “liberais” vive essa correlação. O nosso próximo ator a subir ao palco é o guru da direita da Nova República, Olavo de Carvalho. Creio que a relação entre o Dottore e o astrólogo seja uma das mais verossímeis semelhanças de toda esta coluna — e olhe que ainda veremos muita coisa por aqui.

Os dois indivíduos são dotados de uma verborreia muito particular, própria de seus respectivos papéis performáticos, além de uma prepotência ímpar ao subjugar seus influenciados com ofensas e palavras difíceis. Para que a convergência dos ícones fosse maior, bastaria trocar o cachimbo pela roupa acadêmica veneziana.

Zanni

Contudo, entretanto, todavia, meu caro leitor, as analogias não terminaram. Pelo contrário: os protagonistas desse circo chamado Brasil subiram ao palco para outro ato, e você está presente nele — os Zanni.

Brighella

Os nossos astros se apresentam, começando pelo Brighella: um sujeito asqueroso, oportunista e traiçoeiro, que manipula a opinião do público em benefício próprio e não hesita em trair o seu melhor amigo, caso essa ação lhe traga vantagens.

Dessa forma, não consigo encontrar melhor definição para um coach medieval do que o nosso querido Brighella e suas semelhanças com o andragogo goiano, Pablo Henrique Costa Marçal.

O quase-prefeito da metrópole paulistana encaixa-se perfeitamente na descrição do personagem: é sagaz com as palavras, especialmente entre o público evangélico e da geração X, e que usa esse capital para enriquecer e se engajar politicamente.

O marçalismo vem crescendo bastante e ocupando um espaço relativamente importante no circo verde-amarelo, — apropriando-se, diga-se de passagem, dos espólios de um mito que, não se preocupe, ainda destrincharemos mais adiante.

Triângulo Amoroso

Por último, apresentemos um dos trisais mais famosos da cultura ocidental: Harlequin, Colombina e Pierrot, personagens presentes também na musicalidade brasileira, nas canções de Ed Motta, Los Hermanos e Noel Rosa.

Harlequin

Primeiramente, analisaremos o memorável Harlequin e suas características. O palhaço é o mais famoso personagem da história da commedia dell’arte e um dos poucos que transcenderam o cenário artístico italiano, alçando voos maiores e inspirando, posteriormente, o Coringa.

Harlequin detém uma fama que, para alguns, beira o mitológico, sendo reconhecido sobretudo pelo seu carisma em ação. Contudo, o nosso Joker é demasiadamente malandro, tolo e de caráter duvidoso.

Aos olhos do público geral, aparenta ser um grande amigo ou um messias contra as vilanias dos patrões, mas, para os que estão por perto, revela-se traiçoeiro, pronto a entregar os seus ao menor sinal de punição por suas peripécias.

Caro leitor, caso você tenha percebido: se Brasília é o teatro, elegemos o doppelgänger do Coringa como o algoz do lavajatismo — Jair Bolsonaro.

Colombina

Pois bem, já que apresentamos o anti-herói do affaire napolitano, é hora de dar espaço à dama da história: Colombina. A única heroína de todo o nosso conto, detentora de um coração pujante, de uma delicadeza nos detalhes e da inteligência necessária para lidar com as adversidades.

No entanto, é carente demais — sempre precisando de um relacionamento amoroso que acalme sua alma perdida entre várias paixões. A quem chegou até aqui, é neste momento que você, caro leitor, entra na história.

A Classe Média brasileira é o paralelismo perfeito para explicar essa indecisão crônica sobre quem seguir, essa queda recorrente por paixões idealizadas por figuras que, conhecendo bem essa necessidade afetiva, abusam da boa vontade dessa parcela da população.

Muitas vezes, por conta dessa visão míope, tal como Colombina, a classe média não percebe quem verdadeiramente anseia tratá-la com respeito.

Pierrot

E assim, chegamos ao nosso herói desta última cena: Pierrot. O último ícone de nossa narrativa é marcado pela ingenuidade, confiabilidade, bondade e uma dramaticidade quase pueril. Detém um amor platônico por Colombina, amor este não correspondido de imediato, o que o faz sofrer internamente diante da ausência de reciprocidade.

O paralelo aqui é inevitável: Pierrot representa a Direita Alternativa em sua relação com a classe média — vestindo, é claro, não apenas o traje branco e o gorro preto característicos do personagem, mas também, agora, um inevitável toque de amarelo.

O último ato da commedia dell’arte brasileira

Agora que já expusemos quem são os tropicalíssimos Vecchi e Zanni do nosso país, vamos abordar o drama em que a classe média se encontra neste exato momento.

Nesta peça tipicamente brasileira, as marchas de 2013 serviram como prólogo da ascensão conservadora-liberal, com seus respectivos personagens figurativos, todos fundamentais para o grande apogeu — a eleição de 2018 — e para o consequente clímax golpista “alerquiano”, com a latente presença de palhaços no teatro brasiliense.

Mas, diferente do teatro, onde tudo se resolve com aplausos, no palco brasileiro o preço da encenação é pago com desemprego, violência e frustração.

Pergunto-me: por que estamos nesta situação atual?

O que prende a nossa bela Colombina, impedindo-a de abandonar esse eterno “bem-me-quer, mal-me-quer” e enxergar os fatos como eles realmente são?

Será que a nossa serva heroína será a vassala dos Vecchi?

Como Pierrot e Harlequin evitarão que o Brighella entre nesse triângulo amoroso?

Acredito que essas respostas são complexas demais para serem tratadas em apenas uma coluna. Mas uma coisa é certa: o Pierrot tem uma árdua missão pela frente se quiser conquistar sua amada.

Spoiler: em alguns desfechos, o nosso herói vence o arqui-inimigo para a felicidade da plateia

Ano que vem, teremos o próximo festival no Reino, e o show promete ser imperdível…

Preparem a pipoca e assistam a esse drama com atenção, porque, se a Colombina virar Alerquina… o circo desmorona.

Sobre o autor
Foto de João Gabriel Falcão

João Gabriel Falcão

Patologista Clínico em Recife e amante de política, cultura e arte há mais de 10 anos.
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